Bocados de Ar

Porque as palavras não passam de bocados de ar

quarta-feira, junho 27, 2007

Um dia, você dá um pedação de carne para um cachorro. Ele come, feliz da vida, te adorando por aquele momento tão delicioso. Outro dia, você dá outro pedaço de carne e, mais uma vez, o cachorro fica feliz e come. Quando ele está começando a se acostumar com isso, você começa a dar o pedaço de carne e, assim que ele tenta mordê-lo, você dá um choque. É, uma coisa meio Admirável Mundo Novo mesmo. Ele assusta, não sabe o que está acontecendo, fica acabrunhado, não entende nada. Outro dia, outro pedaço de carne, dessa vez sem choque. Ele come, satisfeito de ter voltado àquela vida boa de antes. Dia seguinte, nova carne, novo choque. Ele assusta de novo, não esperava o choque, achou que aquilo não aconteceria mais. Daí para frente, você passa a intercalar carnes com choque com carnes sem choque. Apesar de amar aquele momento em que ganha a carne, o cachorro passa a temê-lo, por não saber se vai levar um choque ou vai poder comer em paz. Ele passa a ficar inseguro, desejando a carne -- afinal, ele ainda adora carne -- mas, tendo medo de comê-la e sofrer um novo choque. Chega, então, um dia em que o cachorro não quer mais a carne. Não porque não goste dela -- na verdade, ele a adora -- e sim porque a insegurança quanto ao que vai ou não acontecer quando ele tentar comê-la não o deixa em paz. A incerteza quanto ao motivo dos choques (não, ele não entende o porquê dos choques, ninguém nunca explicou isso para ele) o deixam ansioso e muito tenso. Daí, o medo do choque fica maior do que a vontade de comer a carne. Autopreservação, essas coisas...
.
.
.
Pois é. Prazer, aqui quem vos fala é o cachorro.