Ê, vida, hein, Hilda? Ê, vida...
o mais estranho é perceber que a pessoa acabou saindo da sua vida sem que você nem se desse conta... e que isso, ao contrário do que se poderia pensar, não te trouxe qualquer dor. quer dizer, pelo menos, não no momento em que você percebeu que as coisas mudaram. porque, antes, por óbvio, a dor veio, se instalou e rasgou o seu coração algumas vezes. aí, você deixou de demonstrar que aquilo te machucava, mas ainda machucava. aí, você passou a fingir desprezar, mas aquilo ainda te machucava. aí, você criou todos os monstros, dentro da sua típica-teoria-da-conspiração, e aquilo ainda te machucava. aí, com muito pesar, porque até abandonar a dor é difícil, você decidiu parar de sofrer. não é nem de se deixar sofrer, porque não é o outro que nos machuca: somos nós mesmos que nos deixamos ser machucados. aí, você começou a se controlar, a censurar pensamentos, a reprimir vontades. externalizando, você internalizou. e, aí, passou a dor. não sei se, com a dor, foi o amor. acho que não. em outra situação parecida, o amor acabou voltando de seu estado latente. digamos que o amor, agora, hiberna. fato é que ele não se mostra de forma tão intensa como sempre se mostrou. agora, você não tem mais vontade de alfinetar, de cobrar e de morrer de ódio porque está cobrando, coisa que você odeia que façam e odeia fazer. a vontade de estar presente e de ter o outro presente passou. você vive, o outro vive. você só quer que ele esteja bem e, incrível, isso basta. você não faz mais questão de participar. se acontecer de estar presente e participar, tudo bem, mas você não faz mais questão. aliás, às vezes, você até prefere não participar. você não quer mais saber. e o mais surpreendente é ver que a consciência de tudo isso vem sem qualquer despeito (que, no fundo, sabemos, é fruto de amor rejeitado) ou falso pouco caso. isso tudo vem numa boa. isso é um pouco assustador porque é sempre um complicado perder a intensidade em relação a alguma coisa ou alguém. mesmo quando doída, a intensidade é desejada.