Bocados de Ar

Porque as palavras não passam de bocados de ar

quinta-feira, junho 26, 2003

Brisas


Às vezes, acho que tem coisas que acontecem só comigo. Aí, converso com pessoas e vejo que não, que também acontece com os outros.
Uma destas coisas é a impressão que eu tenho sobre coisas que acontecem à noite. Sempre parece terem sido meio irreais. Ou não terem sido. Complicado? Explico:
Coisas acontecem, obviamente, tanto de dia quanto à noite. À noite, quando do acontecimento, tudo parece - como de fato é- real e palpável. O que é preocupante me tortura pelo resto da noite, o que é agradável me deixa em êxtase também pelo resto da noite. Daí, eu vou dormir e, basta entrar pela fresta da minha persiana o primeiro esboço de luz solar, para tudo o que aconteceu perder sua densidade e se tornar tão efêmero quanto um sonho de véspera. Tudo que foi tão intenso, que fez o coração bater tão rápido e o sangue passear pelos meus vasos como se estivesse em highways, tudo, tudo se esvai e ganha o brilho de um conto de fadas diáfano como uma das Brisas.
E aí, eu me questiono se o que aconteceu realmente aconteceu. Porque tudo passa a parecer tão distante que é como se tivesse acontecido em uma outra dimensão, em um universo paralelo somente tocável com a chegada do crepúsculo. Os acontecimentos entram em um território de incertezas e irrealidades em que não lembro exatamente o que foi dito ou se, o que penso ter sido dito, o foi, ou se foi só pensado e não dito, enfim...
Sobre as palavras recai um véu que as encobre de forma nebulosa, tornando-as mais intuídas do que efetivamente rememoradas em sua essência.
E, se eu tentar me lembrar MESMO, minha mente entra num estado tal de torpor que chega a me cansar, de forma que, quando vou contar o acontecido para alguém, falo e eu mesma me surpreendo com o que estou falando, como se fosse a primeira vez que escuto aquela história, como se todos os fatos narrados fossem algo completamente estranho e novo para mim. É inacreditável.
Não sei se isso acontece com mais alguém. Mas, por vezes, me questiono se essa mania que eu tenho de falar que sou doida não tem um toque de realidade.