Bocados de Ar

Porque as palavras não passam de bocados de ar

quarta-feira, junho 04, 2003

Lego reloaded

Quando eu era criança, eu tive uns vizinhos japoneses. Eles chegaram sem falar um "a" em português e com aquela timidez típica da cultura oriental. Eu, que sempre fui muito faladora, já forcei uma amizade e, quando eles menos esperaram, já estava acampada na casa deles. Não teve jeito, ficamos amigos.
Hirome e Masaki. Claro que era mais amiga da Hirome. Era menina, a gente se entendia. O Masaki era mais pentelho. Menino com 9, 10 anos é um saco. Mas também erámos amigos. Na casa deles não tinha televisão mas, em compensação, tinha um quarto cheio de brinquedos. Com estantes que iam do chão ao teto. Cheinhas de brinquedos. Um sonho para qualquer criança. O brinquedo que eles mais tinham era Lego. Caixas e mais caixas abarrotadas de pecinhas de todas as cores. Eu adorava porque, como eu não tinha Lego, eu ia todos os dias à casa deles, para brincar.
A nossa brincadeira se dividia em duas fases. A primeira era a da montagem. O "tema" do Lego deles era Viagem ao Espaço, ou algo assim. Então, aquelas plaquetas onde se montam os prédios nunca eram verde-imitando-graminha mas cinza-solo-lunar. Por consequência, também havia inúmeros computadorezinhos, anteninhas parabólicas e mini-fuzíveis. Cada um pegava uma plaqueta e começava a montar sua base. A do Masaki era sempre a mais "high-tech". Ele montava carros que viravam aviões que viravam barcos que viravam robôs. Nunca consegui fazer nada igual e, depois de conhecê-lo, passei a acreditar piamente na teoria de que os japoneses são mais inteligentes que os outros.
A minha base e a da Hirome de base não tinham nada. Eram mais parecidas com uma casinha de bonecas em que os computadores viravam televisões, as anteninhas viravam pratinhos e os fuzíveis, garrafinhas. Tinha até jardinzinho do lado de fora.
Levávamos um dia inteiro para montar nossas bases, carros e cidade, e isso era o mais legal. Era quando a nossa criatividade alcançava sua potência máxima.
No dia seguinte, nos encontrávamos para brincar. Após montada a estrutura, só nós restava brincar com ela. Aí, fazíamos viagens do quarto para a sala ou para a varanda, tínhamos guerras e assaltos, perseguições de carros, surgiam amigos etc etc etc. Lógico que isso, apesar de também ser legal, não era tanto quanto montar então nós sempre patrocinávamos um cataclisma qualquer, terremoto, maremoto, vulcão, chuva de meteoros, que destruía toda a nossa cidade, nos obrigando a reconstruí-la interia no dia seguinte. Foi assim por uns 4 ou 5 anos.
Mas, por que estou contando toda essa história?
Simples: ontem assisti Matrix Reloaded. Fui prevenida, esperando um filme muito mais-ou-menos porque já tinha lido milhares de críticas neste sentido. Para minha surpresa gostei bastante do filme. Na verdade, entendo a crítica que foi feita. O 1 era uma obra fechada, completa em si mesma, enquanto o 2 não tem nem fim. Enquanto o 1 explicava a teoria, o 2 é mais exibicionismo de efeito especial. Não discordo de nenhum destes pontos de vista mas comparo Matrix ao Lego da minha infância. O 1 foi a primeira fase da brincadeira: montar a estrutura, apresentar os personagens principais, explicar as teorias, fazer com que as pessoas entendam o que se está querendo passar. O 2 é a hora de brincar. Com a base explicada e entendida, é a hora de apresentar novos personagens, contar a história prgressa de alguns, mostrar as picuinhas e intrigas sempre existentes em grandes aglomerados humanos. Mesmo que seja em Zion.
Também acho que o 1 é uma obra acabada em si mesma. Acho, inclusive, que o 3 até pode ser (e será) sequência do 2, mas o 2 não o é do 1. O 1 é a base, é denso, é a teoria. Os seguintes são outros filmes. Não são sequências, mas se desenvlvem sobre o pano de fundo apresentado pelo 1.
Além do mais, o 1 foi uma inovação em efeitos especiais. Eu lembro que, quando eu saí da sala de projeção de Matrix, eu estava embasbacada. Nunca tinha visto nada parecido. O reloaded não. Mesmo tendo efeitos novos, eles não diferem taaanto assim dos apresentados no primeiro. Eles não vão ser uma revolução para o Cinema como foram os do 1.
Enfim, gostei de Matrix Reloaded. Nem mais, nem menos do que gostei de Matrix 1, mas só de uma forma diferente.