Bocados de Ar

Porque as palavras não passam de bocados de ar

quinta-feira, fevereiro 26, 2004

Pessoas

A pergunta do dia é: o que fazer quando você muda e não está mais disposta a ocupar aquele lugar que todos, absolutamente todos, ainda esperam que você ocupe?
Olha, sair de casa por um tempo tem dessas coisas: quando fui para a Itália, fui com medo. País novo, gente nova, língua desconhecida e eu, sozinha, longe da família e dos amigos. Esse foi o medo declarado, mas claro que, em se tratando de mim, sempre tem um lado não-declarado, aliás, indeclarável. Indeclarável à época porque, agora, eu não tenho mais o menor pudor de dizer: tinha medo de que as pessoas continuassem vivendo, mesmo longe de mim. Ridículo, eu sei. E egoísta também. E bobo. Bobo porque eu não lembrei que eu também continuaria vivendo, mesmo longe delas. Aliás, lembrei, sim. E o que eu queria era que, apesar de eu viver, elas deixassem de viver. Basicamente isso. Não sei se acontece com todo mundo que parte. Comigo aconteceu.
Cheguei lá e tudo era novo. Nem preciso dizer que chorei por uma semana, né? Ainda mais em meio àquela confusão que foi a minha chegada, mudança de casa, calor e prédios sem elevador.
Mas, com o tempo as coisas se arranjaram e eu comecei a curtir. Muito. No fim, admito também, passei a ser negligente com os que me esperavam do lado de cá do oceano. Não queria me envolver nos problemas daqui, não queria nem saber deles, eles não me importavam: o que eu queria era viver intensamente a vida de lá, porque sabia que, quando voltasse, ia entrar de cabeça na vida daqui. Não, uma não é continuação da outra. O que eu vivi na Itália não segue na mesma linha, no curso normal. É um período apartado do resto da minha vida, que eu guardo, muito enciumadamente, dentro de uma caixinha de acesso restrito a mim. Mas, divago....
Daí, eu cheguei aqui. E, na minha cabeça, eu nem tinha mudado tanto, a não ser pelos 6 quilos perdidos em um mês de uma cozinha fedida que me impedia de cozinhar, torradinhas com queijo como almoço, e muitas, muitas caminhadas. Mas, como não podia deixar de ser, começaram os conflitos. Eu não sou mais aquela que partiu e, principalmente, não quero mais ser. Passei a dar valor para coisas diferentes e ponto. E as pessoas não querem entender isso. Insistem em cavucar dentro de mim em busca de algo que não existe mais. Não existe mais, minha gente, e nem adianta reclamar: não estou aberta a reclamações. E sabe por quê? Porque estou feliz assim. Satisfeita mesmo. E não vou mudar. Porque não e pronto.
E quer saber do que mais? Cara feia, prá mim, é fome.
Enfim, é isso. Deixa eu ir ali porque ainda tenho que estudar Direito Constitucional.
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Nota mental: O Estrangeiro, Camus; O Diário de Sofia = comprar.