Bocados de Ar

Porque as palavras não passam de bocados de ar

terça-feira, julho 08, 2003

Mais um capítulo de "Lembranças"

Ontem, eu estava andando com o Fred olhando para a Lua. Espera, espera, antes uma explicação: quando passeio com meu cachorro, à noite, fico olhando para o céu, especialmente se há Lua. Se for de dia, ando lendo, com esporádicas paradas para espiar o azul do céu de Brasília. Antes que me perguntem, sim, já bati em postes e esbarrei em galhos de árvores por causa dessa mania de andar lendo. Foi só umas 4 ou 5 vezes, mas já aconteceu. E, sim, foram situações ridiculamente hilariantes. Para quem estava vendo, é lógico, e não para mim.
Mas, então, retomando, estava olhando a Lua quando lembrei de uma noite na Fazenda.
Tá, uma outra explicação prévia: a Fazenda não é nossa mas de uns primos distantes da minha mãe. O fato de eles serem geneticamente distantes (se é que se pode falar assim) não quer dizer que não sejam pessoas bem próximas de nós. Na verdade, na cidade da minha mãe, todo mundo é primo e eles foram criados junto com minha mãe e meus tios. Por conseqüência, nós, filhos destes primos, também somos próximos (o que me faz ser mais amiga destes do que de alguns primos de 1º e 2º graus).
A Fazenda é, então, de 3 destes primos-distantes-próximos da minha mãe. É um lugar muito agradável, muito mesmo. E com pessoas agradabilíssimas. E para onde íamos em todos os feriados prolongados-emendados e em vários fins-de-semana. Eu, ainda hoje, adoro ir para lá. Tenho essa necessidade constante de mato e a Fazenda é, definitivamente, um dos matos de que eu mais gosto.
Mas, retomando mais uma vez, antes que eu perca o fio da meada, numa noite, estávamos dormindo, quando um tio meu bateu na porta do quarto das meninas (sim, a Fazenda tem quarto das meninas e quarto dos meninos), dizendo para acordarmos e irmos lá para fora. Bem, nosso quarto tinha uma daquelas janelas de ferro, de forma que estava escuro, um breu mesmo, daqueles em que não se enxerga um palmo na frente do nariz. Literalmente. Em escuridões como esta, a gente tende a perder a noção de espaço e dimensão, por mais que se esteja careca de saber a localização de todos os móveis do cômodo.
Assim, sobraram esbarrões, cabeçadas e topadas com o dedinho do pé na beira da cama. Descer do beliche, então, foi um parto a fórceps. Quase caí em cima da Carol, que dormia na cama de baixo. Aí, você me pergunta: e lá não tem energia elétrica? Por que que vocês não acenderam a luz? Pois é. Por que não acendemos a luz? Sabe Deus... Nem pensamos nisso na hora. Quando, finalmente, depois de muito tatear, conseguimos achar a maçaneta para sair do quarto, vimos que a sala estava estranhamente clara. Não divagamos muito a respeito, mas conseguimos, enfim, ver as horas: passava das 3:30 da manhã.
Eu, com sono, com frio, enrolada num edredon, maldizendo a hora em que tiveram a infeliz idéia de me acordar para ver não-sei-o-quê, mesmo sabendo que todos nós estaríamos de pé às 5:30 para ir ao curral, tomar leite (prometo, última explicação: acho que toda criança que já foi a uma fazenda já tomou leite direto da vaca. Leva-se um copo -- no nosso caso, caneca grande, beeem grande-- que é cheio, na hora, por um leite quentinho e espumante. Há quem coloque mel ou rapadura para ficar docinho, mas nós, crianças da cidade, colocávamos Nescau).
Nos arrastando pela sala e remungando que nem velhinhas corocas, abrimos a porta da casa. E ficamos deslumbradas. O pátio estava claro como o dia e , lá fora, estava a maior Lua que eu já vi em toda a minha vida. Redonda, branca, imensa. Apagando as estrelas, causando inveja até ao Sol que se preparava para se levantar. Ficamos todos lá, no pátio, sentados na calçada, calados, embasbacados, olhando para cima, até que amanheceu e a Lua se foi.
Nunca mais vi uma Lua como aquela. E acho que nunca mais vou ver. Foi uma daquelas experiências que só acontecem uma vez em nossas vidas. Únicas em sua plenitude.