Bocados de Ar

Porque as palavras não passam de bocados de ar

quinta-feira, abril 03, 2003


Aprendiz de Feiticeiro

Aí, a Kell e a Inguita me deram um livro de presente-de-formatura: O Cheiro de Deus, do Roberto Drummond. Parei de ler "O Vermelho e o Negro" do Stendhal e comecei a ler o presente. Logo de início, percebi que se tratava de realismo fantástico e eu, como absolutamente apaixonada-pelo-estilo-García-Marques-de-ser, já gostei, de cara.
Quando já passava um pouco da metade do livro, pecebi que ele tinha mais coisas em comum com o Gabriel García Marques, mais especificamente, com o "Cem Anos de Solidão", que eu sei praticamente de cór porque é O livro da minha vida.
Terminei de lê-lo ontem à tarde. Façamos algumas considerações a respeito:
É um livro legal. Acabei ficando com vontade de ler o "Hilda Furacão", que foi escrito pelo mesmo autor. Mas, não pude deixar de notar as inúmeras semelhanças entre O Cheiro de Deus e Cem Anos de Solidão.
Primeiro, as duas obras retratam a vida de uma família, Drummonds e Buendías, sob o foco do realismo fantástico (que, na orelha do "Cheiro..." é chamado de "realismo sobrenatural"), em cidades pequenas (Contestado e Macondo).
Os patriarcas de ambas as famílias (Vô Old Parr e José Arcádio Buendía), num certo ponto da história, passam a sofrer de loucura.
A matriarca (Vó Inácia Micaéla e Úrsula) é sempre muito forte e comanda não só a família mas a comunidade.
Na família, existe uma mulher absolutamente maravilhosa, diante da qual todos os homens perdem a noção de tudo (Catula e Remédios, a bela).
Também, existe um fantasma que acompanha a pessoa que o matou, conversando como se fossem amigos (Coronel Bim Bim e o fantasma Juvenço Dias e José Arcádio Buendía e o fantasma de Prudêncio Aguilar).
Nas duas famílias, os homens têm nomes curiosos: os Drummonds, têm nomes de uísque e os Buendía, repentem os nomes José Arcádio e Aureliano a todos os filhos que têm.
As duas famílias também mantêm a idéia fixa de deselvolver uma Odisséia, uma busca: os Drummond, a busca aos índios liliputianos, e os Buendía, a busca ao Mar.
Além disso, ambas as famílias têm constantemente a companhia de um cigano, Cigana Carmen e Melquíades.
O Incesto é ponto alto nas duas histórias. Os Drummond já iniciam relatando que sofrem da "febre do Incesto", e que vários tios, tias, primos e primas casaram entre si, além da suspeita de ter havido o mesmo entre dois irmãos. Entre os Buendía, existe o medo do incesto por crerem que seus filhos nascerão com rabo de porco. Mesmo assim, podem ser observados relacionamentos entre José Arcádio e Rebeca (que, apesar de ser um choque para a família, não é bem um incesto, visto serem irmãos de criação), Amaranta e Aureliano, que são tia e sobrinho, e Amaranta Úrsula e Aureliano, que são primos.
As duas famílias, ainda, têm um rival no comando da cidade: Drummonds X Coronel Bim Bim e Buendías X Moscotes.
Um homem muito mais velho se apaixona por uma criança e se casa com ela, Vô Old Parr com Vó Inácia Micaéla, que tinha 11 anos e Aureliano com Remédios, que ainda era impúbere e fazia "pipi na cama" quando foi pedida em casamento.

Essas foram as semlhanças que eu notei. Talvez haja mais que eu não tenha percebido. De qualquer forma, apesar de ser um livro bom, O Cheiro de Deus não chega nem aos pés de Cem Anos de Solidão. Roberto Drummond ainda tem que comer muito feijão-com-arroz para poder pensar em escrever algo parecido com Gabriel García Marques. É como um arremedo de uma obra-prima.
Bem, mas tudo isso é especulação minha. Não sei se Roberto Drummond realmente se inspirou em García Marques. É que, com tantas semelhanças, não pude deixar de pensar assim.
Mas, enfim, é um livro, pelo menos, engraçadinho de se ler. De leitura fácil e sem grandes complicações.