Bocados de Ar

Porque as palavras não passam de bocados de ar

sexta-feira, outubro 04, 2002


Sabe, é estranho isso de sabermos que vamos morrer. A vida seria tão mais fácil, tão menos ansiosa e corrida se não soubéssemos.
Toda a pressa da humanidade se resume ao fato de saber que um dia vai morrer. Por isso, tudo que você quer fazer, tem que ser feito antes que a Inevitável chegue.
As pessoas têm o péssimo hábito de acharem que são (ou que os outros são) velhos para fazer determindas coisas. Ou que está passando da hora de tomar um rumo na vida. Relógio biológico, idade-limite para casar- senão fica para titia, idade-limite para ter filhos- senão não deixará herdeiros, idade-limite para fazer uma faculdade- senão vai ser um tipinho qualquer, sem estudo e sem futuro, idade-limite para se dar bem na vida, financeiramente, é claro- ou então, será um fracassado. Tudo com limites impostos, com períodos em que deve ser realizado. Tudo. E a culpa é de quem? Da nossa mortalidade, em última análise, da nossa ciência da mortalidade. Porque se não fossemos mortais, não haveria limite para nada, teríamos todo o tempo do mundo para fazer o que quiséssemos. O que seriam 20, 40 ou 70 anos em face a toda uma eternidade a ser vivida? Com uma vida infinita, para que prazos?
Dentre os desejos que sempre tive, existem alguns queme são muito caros, muito especiais. O primeiro é o de voar (e um dia eu dou a explicação psicilógica que eu mesma inventei para ele) e o segundo é o de ser imortal. Sempre quis ser imortal. Mas as pessoas não entendem muito bem quando eu digo isso.
Uma vez, na aula de inglês, a professora perguntou quem gostaria de viver por 200 anos. A única que respondeu positivamente fui eu. Todos alegavam que já tinham "visto demais" nessa vida e que estavam cansados. "Visto demais"? O que isso quer dizer. Existe todo um mundo de pessoas, lugares e sensações diferentes a ser desbravado. E definitivamente uma vida só, de mais ou menos 80 anos, não é o suficiente para isso. Eu adoro coisas novas. Pessoas novas. Lugares novos. Sensações novas. Como posso preferir renunciar a tudo isso, se tenho a opção de viver eternamente. Não consigo entender. Como diz um tio meu "Morro e não vejo tudo". Por isso que queria ser imortal. Para não morrer e poder ver tudo. Ou quase tudo. Essa curiosidade em relação à vida é o que me move. Eu leio muito, mas sempre acho que poderia ler mais. Eu conheço várias pessoas, mas queria conhecer mais. Eu já viajei bastante, mas sempre quis ter viajado mais. Eu falo duas línguas e estou aprendendo uma terceira, mas queria falar todas as línguas do mundo, todos os dialetos, entender todas as culturas. Queria entender de Física Quântica e de Pintura Renascentista. Queria entender o mecanismo de reprodução das formigas tibetanas e queria entender tudo sobre a energia atômica. Queria entender tudo de tudo. Sou megalômana e essa vontade de saber tudo é o que me denuncia de forma mais clara.
Nessa mesma aula de inglês, uma das alunas levantou a única questão que para mim seria um problema em ser imortal: ver todos que eu amo morrerem. Isso ia ser terrível, um sofrimento sem fim. Mas, mesmo assim, eu queria ser imortal. Quantas pessoas que eu amava, eu já perdi? Ou porque morreram ou porque saíram da minha vida sem deixar vestígios? E quantas passei a amar depois disso? Das que se foram, ficou uma saudade boa e uma lembrança querida do tempo que compartilhamos. Mas sempre existirão pessoas novas, que eu também amarei e que também me amarão e que serão tão especiais quanto as que já passaram. Claro que não queria que ninguém saísse da minha vida, mas esse é o ciclo natural das coisas, acontece mesmo eu sendo uma mera mortal.
As pessoas não entendem quando digo isso, mesmo eu achando que é uma coisa tão simples de entender, embora você possa não concordar...
Enfim, cada um sabe de si, de seus anseios e sonhos e esse é um dos meus.